O que é OINTB?

         Orange Is The New Black é uma série estados-unidense produzida pela Netflix desde 2013, sendo uma das primeiras produções próprias da grande rede de streaming. A série foi um marco por ter sido uma das primeiras a se tornarem extremamente populares no modelo oferecido pela Netflix: temporadas com no máximo 13 episódios de cerca de 45min a uma hora, que vão ao ar no mesmo dia e apenas uma vez ao ano. Dessa forma, desde a primeira temporada é sabido pelos fãs que em algum momento da segunda quinzena de junho uma nova temporada irá ao ar. Devido ao nome da série ser grande, ela é conhecida por suas siglas e chamada de OINTB.

         O enredo principal gira em torno de Piper Chapman, uma moça branca de classe média que é presa por ser cúmplice em tráfico de drogas. A primeira temporada é sobre a adaptação de Piper na cadeia, com direito a encontros, reencontros e muitas reviravoltas em sua história. A série se demonstrou importante já aí, pelo imensa representatividade que ela trazia. Veja bem, não é comum que presidiárias ou ex-presidiárias se vejam retratadas na televisão, ainda mais em um retrato que engloba diferentes sexualidades, gêneros, etnias e em uma narrativa que não tem medo de explorar os lados podres e bons das ações dos guardas penitenciários e demais responsáveis pelo setor administrativo.

Como é a narrativa da série?

         Desde a primeira temporada, o espectador é levado para dentro da história das detentas. O foco narrativo que a princípio acontece com Piper, acaba sendo difuso e atingindo uma pluralidade de detentas. Nas temporadas subsequentes isso é visível pelo fato de que em cada episódio a história de uma detenta ser contatada em flashbacks. Esse aporte narrativo facilita a criação de empatia com a personagem, por parte do espectador. Ao invés de ver as detentas como prisioneiras malvadas, os flaschbacks possibilitam que o espectador perceba que até a mais malvada dentro da cadeia, teve outras vivências em sua vida de liberta. Isso faz com que a que, para mim, é a principal proeza da série, seja feita com eficácia. Ou seja, através dessa percepção de outras vivências, o espectador é levado a entender que todas as pessoas que estão ali, presas, são humanas. São apenas pessoas que cometeram erros, tentaram fazer o melhor com as oportunidades que tiveram e tomaram decisões erradas. Essa é uma sacada muito importante do seriado e é onde reside sua potência, considerando o nosso contexto atual, onde inúmeras pessoas acreditam que bandido bom é bandido morto e que todo mundo que comete crime é porque nasceu safado.

         A cadeia de OINTB é formada por três grandes grupos: as negras, as hispânicas (latinas) e as brancas. Em todo o seriado essa divisão está implícita. Seja nos dormitórios, que são organizados pelos agentes penitenciários já com essa separação, seja pelas filas do banheiro, que acabam ocorrendo seguindo esses grupos ou ainda pelas amizades construídas que, por causa do sistema, acaba sendo étnico-direcionada. Dessa forma, é muito difícil que uma detenta negra converse, se dê bem e seja amiga de uma latina, por exemplo. Há algumas exceções, mas é esse o panorama geral. Na quarta temporada essas fronteiras ficam ainda mais demarcadas, o que é preocupante. Além disso, a cadeia está super lotada e a quantidade de latinas superou a das outras etnias, fazendo com que elas achassem que isso lhes garantia algum tipo de poder. Além disso, na quarta temporada temos também uma celebridade dividindo a mesma cadeia que todas essas outras. Mas, o que mais chama atenção é a forma como Litchfield (o nome da cadeia) está sendo administrada.

Por que eu defendo a série?

         Bom, é comum ouvir dizer que a série transmite a ideia de que a cadeia é um parque de diversões. Eu discordo. Na realidade, a organização de Litchfield é a ideal em se tratando de cadeias, pois lá as detentas são tratadas como gente, têm espaço, um tanto de privacidade e todas elas trabalham na própria penitenciária. Algumas são responsáveis pela comida, outras pela limpeza, outras pela jardinagem, biblioteca, eletricismo e diversas outras atividades. Inclusive, o foco da terceira temporada é a inauguração de uma fábrica de calcinhas na prisão, onde as detentas trabalham e recebem por isso. Todas elas recebem alguns centavos por hora de trabalho e depois podem usar esse dinheiro para comprar mantimentos, remédios, cosméticos e afins na lojinha da prisão. Ao ser liberta, a detenta recebe todo dinheiro que tinha em sua conta e ainda não havia gasto. Essa é uma das razões para que Litchfield seja o paraíso das prisões, um mundo encantado demais e irreal demais, principalmente para nós, brasileiros. Mas, antes de criticar essa formação, é importante lembrarmos de algumas coisas:

  • Litchfield é uma prisão de segurança mínima, feminina e destinada para mulheres que não são consideradas perigosas.
  • Litchfield não é uma cadeia pública, mas sim compartilhada. Parte dos investimentos realizados nela é privado, por isso é tão difícil conseguir melhorias para as detentas. No entanto, a privatização foi necessária para manter o nível da prisão – a questão é bem complexa e a série destrincha bem ela.
  • Nenhuma cadeia é colônia de férias, por melhor que pareça. E se alguém assiste ao seriado e segue pensando isso, é porque a pessoa em questão tem problemas. Digo isso pela quantidade de encrencas e perrengues vividos pelas personagens. Apesar de ser uma prisão boa, ainda têm abuso de poder, gangues e brigas constantes.

         Tendo isso em mente, é necessário que a gente pare de achar:

  1. Que o sistema carcerário do EUA é maravilhoso e as prisioneiras vivem no paraíso.
  2. Que todas as cadeias dos EUA são desse jeito.
  3. Que as cadeias do Brasil são desse jeito.

         Vamos lá, se até em Litchfield tem corrupção, superlotação e dificuldade orçamentária de conseguir coisas básicas como absorvente, o que leva as pessoas a crer que alguma cadeia, em algum lugar, é um paraíso? Não é. E essa não é a intenção da série, mas sim lembrar a sociedade da existência de mulheres na cadeia e de que elas são importantes. A série é baseada em uma história real, vivida por Piper Kerman e publicada em um livro homônimo. Recentemente, Alex Vause, outra personagem da série, que na vida real se chama Catherine Wolters, lançou um outro livro relatando uma nova perspectiva sobre a história de Kerman. Atualmente, a série já tem liberdade narrativa e não segue apenas o que foi vivido pela Piper de verdade, mas ela continua sendo uma das principais produtoras do seriado. Esse parênteses se faz importante por duas razões:

  1. Realmente uma branca de classe média foi presa, se indignou com as coisas que aconteciam na prisão e resolveu contar em um livro.
  2. Não é porque ela escreveu o livro que a visão dela sobre a prisão é a correta ou a única que existe, visto que Wolters narra os fatos de formas diferentes.

         Essa mudança de perspectiva é uma das grandes destrezas da série. Como cada episódio tenta se focar mais em um núcleo específico, o espectador é levado a comprar perspectivas específicas, que nos próximos episódios podem ser destroçadas ou reforçadas. Outro ponto interessante é que o espectador tem contato com todos os núcleos da série por igual, conhecendo profundamente algumas das detentas de cada grupo. Porém, não é porque o espectador tem essa noção que os outros personagens da série o tem. As vezes o espectador tem uma conexão, identificação ou empatia muito fortes com personagem x e outro personagem da série vai lá e xinga, bate, briga etc. O espectador fica revoltado e pensa como você fez isso, ela é super legal, mas a verdade é que quem bateu, xingou, brigou não conhece a outra pessoa tanto quanto o espectador. Não teve acesso aos flashbacks, não acompanhou o desenvolvimento narrativo, nada disso. Essas coisas são disponíveis apenas para o espectador, não para os outros personagens da série que, entre si, têm segredos e desavenças que para o espectador já foram resolvidas.

A quarta temporada

         Na última sexta-feira a Netflix liberou a quarta temporada da série, eu assisti tudo até sábado e fiquei pasma. Para mim essa foi a melhor temporada do seriado e eu continuo a recomendá-lo e a defendê-lo. O mar de reflexões e percepções que ele nos traz sobre a desigualdade social, a indiferença, a marginalização e a importância de oportunidades e de perdoar, são grandes. As meninas de Lietchfield deixam de ser detentas e se tornam suas melhores amigas. E isso me faz pensar em todas as melhores amigas que eu tenho nas cadeias da minha cidade, em todas as mulheres que precisam de absorvente e não têm, nas que não podem ver seus filhos, nas que não conseguem desenvolver relacionamentos amorosos, nas que não veem perspectiva em sair da prisão, nas que ficam malucas lá e até nas que melhoram minimamente. Essas pessoas existem, elas estão aqui. E não adianta nada a gente ver séries como essas e não olhar ao nosso redor e tentar fazer algo ser diferente.

         A quarta temporada tem 13 episódios muito intensos, com direito a superlotação, desigualdade de privilégios internos, neo-nazis, guardas que são ex-soldados que batalharam no Afeganistão, mais cortes nos orçamentos, mais injustiças, mais mortes, muita ênfase no passado das latinas, uma máquina do tempo, cenas fortes na solitária/segurança máxima e na ala de psiquiatria e um final tão tenso, mas tão tenso, que o único desejo possível é de que a próxima temporada saia amanhã. Ah sim, as piadas seguem, mas, para mim isso nunca foi o foco.